O ano de 2017 no calendário cristão assiste aos 300 anos do
aparecimento da imagem que tornar-se-á a mãe de devoção católica. No Brasil, o
culto de Nossa Senhora Aparecida exerce forte comoção dos católicos nos espaços
perpendiculares do território sagrado. É ela a senhora que intercede pelos
filhos nas dificuldades, principalmente vagando no coração popular.
Aparecida é a mais adorada no panteão católico brasileiro. É popular
no sentido que habita o povo, para isso enegrecendo-se para ter semelhança com a
maioria dos brasileiros. Esse processo é amplamente refletido por Lourival dos
Santos (SANTOS, O enegrecimento da Padroeira do Brasil:
religião, racismo e identidade, 2013).
O culto de Nossa Senhora ganha dimensão extraordinária em
meio a comunidade de Furnas do Dionísio e passa delimitar a ideia de identidade
quilombola. Não é um processo de se surpreender, pois o enegrecimento da
padroeira acontece no período histórico que antecede a formação das comunidades
juridicamente remanescentes quilombolas. Há um bom motivo para o quilombola escolher Nossa Senhora Aparecida, pois o
processo da santa para manter-se negra remonta a trajetória de luta identitária que mantém o quilombo vivo e pulsante.
Há mais de 30 anos, a família da Dona Dete mantém a
celebração de Aparecida acontecendo na comunidade Furnas do Dionísio. É uma
festividade que consegue centralizar o catolicismo popular em pequeno espaço
rural, cuja a identidade quilombola e irmandade católica materializa-se na
preparação da celebração.
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Preparar o doce é uma atividade feminina entre a comunidade. Ali, vem da mulher o ato de adocicar a fruta, de misturar o melado e de transformar a maravilha em sobremesa e atividade rentável para a comunidade. Não há registros de onde o doce advém, mas nos conforta e satisfaz saber que veio das mães, assim o é aprendido oralmente.
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Na montagem do barracão de palha, a lona serve para não deixar a chuva passar. É mais uma atividade cuja a comum unidade, interpretada como fazer junto, é fato característico da identidade quilombola.
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Acompanhei sete dias de intensa preparação para a festa. A noite, a prazerosa congregação da irmandade. Como reunião brasileira, bem acontece envolta de comida e uma cerveja.
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A montagem do segundo barracão do terreiro da Dona Dete. Esse de palha como a família prefere e o calor que faz nas Furnas permite.
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A cobertura de telha do primeiro barração do terreiro que protege os tachos onde é feito a comida e os doces.
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Sabedoria antiga e serenidade na caótica preparação
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Toda a preparação para transformar a celebração de Nossa Senhora em uma grande festividade. Vários episódios de ritos aconteceram durante a semana, todavia o climax se dá na grande festa no dia 12 de outubro.
Inicia-se as homenagens na cavalgada. Antigo e simbólico, o ato de cruzar as Furnas a cavalo é para mostrar a fé e persistência daqueles que crê. A cavalgada retorna pra Dona Dete, encontrando outros fiéis que carregam o andor. Era hora de levar a Santa para capela que lhe pertence, casa construída pelos quilombolas.
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A começar a cavalgada
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O transitar junto por uma crença comum fortalece os laços da irmandade católica
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Atravessar o rio
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Carregada de Nossa Senhora Aparecida no trajeto para a capela
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A padroeira é esperada na capela para a missa, com muitas pessoas na pequena capela. A missa acompanhou o almoço servido pela comunidade a todos fiéis, a compartilhar da crença e promessa da Dona Dete.
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Chegada do andor para a missa na capela
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O padre a rezar a missa. É a presença da instituição Igreja Católica na celebração no quilombo
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Ofertório
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A usar a cobertura do barracão para proteger do sol e assistir a missa
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No barracão coberto de telha, cozinhavam e serviam o almoço
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Acompanhei os preparativos e a festa. Estar entre a irmandade me fez perceber o real sentido de comunidade. Em meio a celebração, a comunidade tornou-se pública. Um catolicismo intenso que desmembra na vivencia quilombola.
Por Yasmin Falcão