segunda-feira, 16 de outubro de 2017

"Rogai por nós quilombolas": Festa de Nossa Senhora Aparecida em Furnas do Dionísio


O ano de 2017 no calendário cristão assiste aos 300 anos do aparecimento da imagem que tornar-se-á a mãe de devoção católica. No Brasil, o culto de Nossa Senhora Aparecida exerce forte comoção dos católicos nos espaços perpendiculares do território sagrado. É ela a senhora que intercede pelos filhos nas dificuldades, principalmente vagando no coração popular.

Aparecida é a mais adorada no panteão católico brasileiro. É popular no sentido que habita o povo, para isso enegrecendo-se para ter semelhança com a maioria dos brasileiros. Esse processo é amplamente refletido por Lourival dos Santos (SANTOS, O enegrecimento da Padroeira do Brasil:
religião, racismo e identidade, 2013).

O culto de Nossa Senhora ganha dimensão extraordinária em meio a comunidade de Furnas do Dionísio e passa delimitar a ideia de identidade quilombola. Não é um processo de se surpreender, pois o enegrecimento da padroeira acontece no período histórico que antecede a formação das comunidades juridicamente remanescentes quilombolas. Há um bom motivo para o quilombola escolher Nossa Senhora Aparecida, pois o processo da santa para manter-se negra remonta a trajetória de luta identitária que mantém o quilombo vivo e pulsante.


Há mais de 30 anos, a família da Dona Dete mantém a celebração de Aparecida acontecendo na comunidade Furnas do Dionísio. É uma festividade que consegue centralizar o catolicismo popular em pequeno espaço rural, cuja a identidade quilombola e irmandade católica materializa-se na preparação da celebração. 

 Preparar o doce é uma atividade feminina entre a comunidade. Ali, vem da mulher o ato de adocicar a fruta, de misturar o melado e de transformar a maravilha em sobremesa e atividade rentável para a comunidade. Não há registros de onde o doce advém, mas nos conforta e satisfaz saber que veio das mães, assim o é aprendido oralmente


Na montagem do barracão de palha, a lona serve para não deixar a chuva passar. É mais uma atividade cuja a comum unidade, interpretada como fazer junto, é fato característico da identidade quilombola. 


Acompanhei sete dias de intensa preparação para a festa. A noite, a prazerosa congregação da irmandade. Como reunião brasileira, bem acontece envolta de comida e uma cerveja. 


A montagem do segundo barracão do terreiro da Dona Dete. Esse de palha como a família prefere e o calor que faz nas Furnas permite.


A cobertura de telha do primeiro barração do terreiro que protege os tachos onde é feito a comida e os doces


Sabedoria antiga e serenidade na caótica preparação




Toda a preparação para transformar a celebração de Nossa Senhora em uma grande festividade. Vários episódios de ritos aconteceram durante a semana, todavia o climax se dá na grande festa no dia 12 de outubro. 

Inicia-se as homenagens na cavalgada. Antigo e simbólico, o ato de cruzar as Furnas a cavalo é para mostrar a fé e persistência daqueles que crê. A cavalgada retorna pra Dona Dete, encontrando outros fiéis que carregam o andor. Era hora de levar a Santa para capela que lhe pertence, casa construída pelos quilombolas. 


A começar a cavalgada 




O transitar junto por uma crença comum fortalece os laços da irmandade católica


Atravessar o rio 


Carregada de Nossa Senhora Aparecida no trajeto para a capela


A padroeira é esperada na capela para a missa, com muitas pessoas na pequena capela. A missa acompanhou o almoço servido pela comunidade a todos fiéis, a compartilhar da crença e promessa da Dona Dete. 

Chegada do andor para a missa na capela


O padre a rezar a missa. É a presença da instituição Igreja Católica na celebração no quilombo



Ofertório


A usar a cobertura do barracão para proteger do sol e assistir a missa


No barracão coberto de telha, cozinhavam e serviam o almoço

Acompanhei os preparativos e a festa. Estar entre a irmandade me fez perceber o real sentido de comunidade. Em meio a celebração, a comunidade tornou-se pública. Um catolicismo intenso que desmembra na vivencia quilombola. 

Por Yasmin Falcão

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Inserção na Prática da Escola Quilombola Antônio Delfino Pereira: Primeiros Passos

Alunos e alunas do 1º Ano "A" e "B" assistindo o filme do "Kiriku e a Feiticeira". Em resposta as ações...